sábado, 3 de abril de 2010

O Evangelho de Íris


Paula


A humildade é a virtude que torna os pequenos homens em grandes sábios ou anjos.





Ali, no alto da colina, há um casal que é banhado pelo sol assim que nasce o dia.
Ali, onde a subsistência obriga a um trabalho contínuo, há um canteiro mimado. O canteiro de Paula. É ela que prepara a terra, a rega, é ela que o planta e semeia para depois, a cada milagre de cor e perfume dar um nome, um carinho, através dos gestos e sussurros sorridentes.
Paula não desvenda mistérios nem medita na criação. Basta-lhe presenciá-los, aceitá-los, com o amor genuíno das almas simples.
Paula não sente a nostalgia pelo passado nem ansiedade pelo futuro. Pisa com alegria o presente. Vive. Vive cada momento da sua vida com singeleza e quietude.
Esta manhã, descortina na planície circundante um grupo de jovens que têm um aspecto diferente das demais raparigas que conhece. Não é hábito receber visitas, ainda por cima a uma hora destas e com este número! Porém, estende os braços e acolhe-as no seu lar. Convida-as a entrar e oferece-lhes alimento e água fresca, numa franqueza própria de quem não tem malícia.
Quando estas se sentam, cansadas e empoadas pela jornada, num impulso irresistível, ajoelha-se a seus pés e lava-os com água perfumada por pétalas das suas rosas. As companheiras de Íris esquivam-se envergonhadas, julgam que esse gesto resulta do seu aspecto pouco limpo. Mas Íris sorri docemente e diz-lhes:
- Abençoada seja aquela que se ajoelha perante os seus iguais, porque ao curvar-se, se eleva para além do tamanho de todos. Esta é a violeta rasteira e sombria que exalta o jardim com o seu aroma!
A seguir, Íris dá-lhe a mão e ergue-a, senta-a junto de si e oferece-lhe ela própria, a sua tigela de leite.
A conversa entre as nove é agradável e risonha. Todas tentam explicar a Paula os seus percursos e Íris fala-lhe que aquelas mulheres estão atadas por um nó que as aperta e torna fortes, capazes de reunirem todas as virtudes humanas e elevá-las até à divindade.
Paula não entende exactamente o sentido das palavras mas intui a verdade, por isso se comove e deixa que as lágrimas caiam e escorram no seu rosto.
Os dedos de Íris não resistem a enxugá-las e passam ternos sobre a rosada e suave face de Paula, num acto de amor tão espontâneo que ela própria se surpreende.

Paula perfuma até a própria alma!

Há mais de uma semana que o grupo se acolhe na colina. Há mais de uma semana que partilha as tarefas e se senta à tardinha junto do canteiro, falando de coisas simples e quotidianas. Durante este tempo recuperam as forças, ganham energia e preparam-se para a próxima etapa.
Íris parece feliz, quase voltou a ser menina. Mas esta tarde está mais séria. Sente que é chegado o momento de partir. Sabe que todas a seguirão mas, está apreensiva quanto a Paula. Esta, tem uma vida quieta, não tem dúvidas nem parece aspirar a mais nada do que já possui. Paula está incluída no seu projecto desde o princípio, pela primeira vez, vacila em pedir-lhe que a siga. Isso significa deixar tudo para trás, viver ao sabor dos ventos e dos trilhos, sofrer as agruras do descrédito, sentir o desprezo dos acomodados. No entanto, a virtude de Paula tornaria as outras mais firmes...
Sai por fim do seu encanto, indica que está pronta a partir. Obedientes, todas as outras se erguem. Despedem-se de Paula e seguem Íris pelo campo.
Ainda não tinham descido a encosta, quando Íris olha para trás. o fim de todas, na cauda do grupo, segue saltitante Paula. Olha para o céu e murmura feliz:
-Paula perfuma as nossas almas!

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