sábado, 3 de abril de 2010

O nascimento de uma flor


4. A terra, o vento, a chuva e o sol



Passavam os dias e eu, cada vez mais presa à terra, continuava o meu percurso ascendente enquanto me fortalecia e me tornava maior.
A terra quase negra segredava-me confidências num diálogo íntimo… daqueles que acontecem quando nos reconhecemos próximos!
Naquele mesmo espaço, dizia ela, haviam já nascido muitas plantas que ela sustentara. Vira-as nascer, crescer e morrer. Isso desencantava-a porque tinha sempre que despedir-se quando encontrava!
Não havia revolta nela, apenas uma tristeza, uma conformação por não poder manter quem amava!
Expliquei-lhe que talvez fosse essa a sua missão; permitir que a vida se manifeste, mesmo que por pouco tempo e, sublinhando a sua generosidade, valorizei o seu serviço.
Ela não me respondeu logo mas por fim perguntou:
- Será que sou de facto como me vês? Não ocultarei eu desejos inconfessados de domínio sobre aqueles que me são entregues? Não serei apenas um instrumento com que a natureza se dotou para dar a outras formas de vida o valor que não tenho? Quem sou afinal? Uma amálgama de rochas desfeitas e restos de podridão material de seres que já cumpriram!
Sorri, sacudindo o orvalho que se depositara em excesso nas minhas folhas.
- Os outros ver-te-ão como tu te quiseres mostrar, porém aconselho-te a não te deslumbrares com o brilho fugaz das vidas que contemplas. Temes o desejo de possuir mas, somos nós que te possuímos enquanto vivemos aqui! Sem ti não desabrocharíamos, ficaríamos eternamente numa semente anunciadora… o que serias tu sem o nosso ciclo de nascimento/morte/renascimento? É isso que te torna tão diferente das areias estéreis. Tu és abrigo, calor, segurança, alimento. Sem ti nada seria como é e nada poderia realmente manifestar-se neste lugar… mesmo que por breves momentos!
A terra soluçou comovida ao descobrir a grandeza que tinha em si, ela que sempre se considerara um meio e não uma entidade plena, ao ter consciência disso percebeu que tinha uma responsabilidade maior, tornava-se cúmplice do processo transcendente que é a vida. Era-lhe difícil assumir, assim de imediato, esta nova personalidade, quase doloroso! Porém, humilde como era, a terra encheu-se de brios e passou a acreditar que todas as coisas eram importantes a partir desse momento. Deste modo perdeu o desejo de possuir e ganhou o conceito de contribuir.

(continua)




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